A CAMINHO DE NOVAS ESTRUTURA MISSIO-PASTORAIS (3-12-1969)

Comunicado aos Missionários, a propósito da 2ª reunião
do Conselho de Presbíteros, de 1 a 3 de Dezembro de 1969



Ao terminar a 2ª reunião do Conselho de Presbíteros, parece oportuno recapitular
sumariamente alguns dos problemas estudados e outros que o deverão ser, tendo presente a
responsabilidade de todo o Presbitério, a cooperação missionária de todas as religiosas, irmãos e professores-catequistas, e as orientações que a partir deste Conselho deverão entrar em prática em todas as Missões da nossa Diocese.

I – A Diocese é a porção do Povo de Deus que se confia a um bispo, para que a apascente
com a colaboração do Presbitério, de tal modo que, unida ao seu pastor e reunida por ele no
Espírito Santo, por meio do Evangelho e da Eucaristia constitui uma Igreja Particular, na qual
opera a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica (CD 11).

Será conveniente destacar algumas expressões, para melhor entendermos a Diocese, e nela
mais eficazmente trabalharmos.

A Diocese é a porção do Povo de Deus: não é todo o povo de Deus, mas evidentemente
possui todas as propriedades peculiares a todo o povo de Deus, cuja Cabeça é Cristo glorioso e
cuja condição é a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus e cuja lei é o mandamento novo do
Amor (LG 9).

As cristandades a nós confiadas são Povo de Deus, gerado pelo Evangelho, nascido da
água e do Espírito Santo, e cuja Cabeça é Cristo que permanentemente as vivifica e as faz
crescer na dignidade, na liberdade e no amor. Não há, portanto, outra cabeça - o mesmo é dizer
outro senhorio – ou outro princípio de vida e de acção. O Senhor Jesus, com o fim de apascentar o Povo de Deus, e aumentá-lo sempre mais, instituiu na sua Igreja vários ministérios, que se destinam ao bem de todo o Corpo. Na verdade, os ministros que são revestidos do poder sagrado estão ao serviço de seus irmãos para que todos os que pertencem ao povo de Deus e gozam, portanto, da verdadeira dignidade cristã, tendam, livre e ordenadamente, para o mesmo fim, e cheguem à salvação (LG 18). Somos, portanto, ministros instituídos por Jesus Cristo - Príncipe dos Pastores (1Pe 5,4) - e revestidos do poder sagrado para agirmos em nome de Cristo, servindo o Povo de Deus.

Cumpre-nos o dever de chamar a atenção do Presbitério para algumas tentações, que
devemos evitar para não pecarmos contra o Espírito que nos fez ministros do
amor salvífico de Cristo e contra os homens que esperam a liberdade própria dos
filhos de Deus:

a) A tentação do domínio. Os homens não são nossos, mas sim de Deus; os
cristãos não são nossos, são de Cristo; os santos não são nossos, são do Espírito.

As Missões não são nossas, mas da Igreja Diocesana, onde está e opera a Igreja
Universal.

Já S. Paulo, em Corinto, se insurgia contra esta tentação de domínio: "Por
haver entre vós ciúmes e contendas, sois carne e procedeis de um modo
totalmente humano; se alguém disser «eu sou de Paulo» e outro «eu sou de
Apolo», acaso não procedereis como homens? Quem é então Apolo? E quem é
Paulo? Simples servos por cujo meio tendes abraçado a fé - e isto conforme o
Senhor deu a cada um. Eu plantei, Apolo regou., mas Deus foi quem fez crescer.
Assim, nem o que plantou é alguma coisa, nem o que rega, mas só Deus, que fez
crescer” (1Cor 3,3-9).

Também por vezes ouvimos dizer: "somos de Paulo; somos de Apolo", mas
não queremos que os missionários de Deus ao serviço dos homens e das
cristandades caiam na tentação de discutir a posse das "suas missões" ou dos
"seus cristãos", nem muito menos deixem que surjam, como entre os homens
carnais de Corinto, ciúmes e contendas. Quando na Liturgia da Palavra
proclamamos o senhorio absoluto de Cristo - só Tu és o Senhor - peçamos ao
mesmo tempo o espírito de pobreza e a alegria de servir com o dom de nós
mesmos e também das nossas coisas, e o testemunho da nossa comunhão
fraterna. Apascentemos o rebanho que Deus nos confiou, velando por ele, não
como dominadores mas como modelos; e quando o Príncipe dos Pastores
aparecer, receberemos a coroa de glória que jamais se ofuscará (1Pe 5, 2-4).

b) A tentação do paternalismo, se considerarmos os homens e os cristãos a
nós confiados, como filhos menores, incapazes de viverem e actuarem sem uma
constante tutela. Este paternalismo gera inevitavelmente o infantilismo dos
cristãos e das cristandades, e consequentemente a ausência de responsáveis nas
diversas tarefas da Evangelização, da Pastoral e da Acção Social, própria dos
leigos no mundo. É certo que os recém-nascidos na Fé não podem suportar
imediatamente o alimento sólido, mas tão-somente o leite das crianças (1Cor.
3,2); todavia, o cristão deve crescer em Cristo, na Comunidade, na Igreja de tal
forma que se torne capaz de conhecer o dom que o Senhor lhe dá, e de colaborar
activamente na edificação do Corpo Místico e testemunhar o Evangelho no seu
meio ambiente. Como participantes na Missão de Cristo, sacerdote, profeta e rei,
os cristaos-leigos têm a sua responsabilidade própria na vida e acção da Igreja
(AA 10). Por isso a Igreja não está fundada verdadeiramente, nem vive
plenamente, nem é o sinal perfeito de Cristo entre os homens, se com a hierarquia
não existe e trabalha um laicado autêntico. É necessário, desde a fundação de uma
Igreja, prestar atenção à formação de um laicado amadurecido (AG 21).
Evidentemente que este amadurecimento é incompatível com o paternalismo,
onde e como quer que ele exista. Bem respeitadas as responsabilidades
próprias dos pastores, e dos leigos, a nova Igreja, toda inteira, deve dar um único
testemunho vivo e firme de Cristo, a fim de se tornar um sinal evidente da
salvação que em, Cristo vem até nós (AG 21). É por Ele que o corpo inteiro,
coordenado e unido, opera, o seu crescimento orgânico segundo a actividade de
cada uma das partes, a fim de se edificar na Caridade (Ef 4,16).


c) A tentação dos meios humanos. Nas Igrejas jovens, a vida do Povo de
Deus deve atingir a sua maturidade em todos os campos da vida cristã; as
assembleias dos fiéis devem tornar-se cada vez mais conscientemente
comunidades vivas de fé, de liturgia e de caridade (AG 19). Importa, portanto,
dar, em todas as circunstâncias, a prioridade aos meios que o Senhor instituiu
para congregar os homens e fazer deles uma comunidade que celebra e proclama
a fé, a eucaristia e o amor, e como tal é, no meio do mundo, um sinal da presença de
Deus (AG 15). O anúncio da Palavra, a celebração da liturgia, o testemunho do
amor pelo exercício da autoridade ministerial e da comunhão deverão constituir,
em todas as circunstâncias, as primárias e insubstituíveis actividades dos
missionários que desejam seriamente edificar a Igreja. Não desconhecemos a
necessidade de um conjunto de meios humanos que permitam e ajudem a
evangelização e o crescimento espiritual das nossas cristandades; mas não podemos
cair na tentação de gastarmos a maior parte do nosso tempo e das nossas energias com
os meios humanos, deixando para um lugar secundário os únicos meios capazes
de reunir os homens, uni-los em Cristo e torná-los efectivamente comunidade de
Fé, de Esperança e de Caridade (LG 8).

Todos sabemos que as Missões não valem pelas muitas coisas que possam
ter - construções, recursos económicos, escolas, elevadas estatísticas - mas pela
Fé que proclamam, pela acção litúrgica que vivem, pela caridade que
manifestam, pelas vocações que suscitam, pelo zelo apostólico que exercem,
pela comunhão que realizam. E nas horas do triunfo ou do fracasso, não
esqueçamos o evangelho das parábolas do Reino (Mt 13), e o dinamismo
próprio do mistério de Cristo.

d) A tentação dos condicionalismos. O fim próprio da actividade
missionária é a evangelização e a implantação da Igreja nos povos ou grupos em
que ainda não está radicada (AG 6). A actividade missionária dimana
intimamente da própria natureza da Igreja, cuja fé salvífica propaga, cuja
unidade católica, dilatando, aperfeiçoa, em cuja apostolicidade se apoia, de cuja
hierarquia exerce o afecto colegial e cuja santidade testemunha, difunde e
promove (AG 6).

A actividade missionária, assim definida, é uma e a mesma em toda a
parte, sejam quais forem os condicionalismos, embora quanto ao exercício
possa ser diferente, conforme as circunstâncias. Mas estas diferenças de
exercício não podem nascer da íntima natureza da missão, mas dos
condicionalismos em que essa "missão" se deve realizar. É evidente que os
condicionalismos tanto podem depender da própria Igreja em crescimento como
dos povos, dos agrupamentos, dos indivíduos a quem a missão se dirige, e das
instituições sócio -políticas dos territórios onde os missionários trabalham. Ter
em conta os condicionalismos para continuar fiéis à missão, descobrindo novos
métodos, é nosso dever; não olhar de frente os condicionalismos para fugirmos
à mudança de métodos que podem implicar sofrimento, é tentação.
Devemos reflectir sobre alguns dos novos condicionalismos da hora
missionária que nos é dado viver, e tentar descobrir os métodos mais eficazes
para continuarmos fiéis ao Senhor, Cabeça do Povo de Deus:

1) O RITMO DA IGREJA POS-CONCILIAR
No Concílio, a Igreja debruçou-se sobre si mesma, fez um profundo exame
de consciência, reflectiu corajosamente sobre os homens a quem deve anunciar
o Evangelho e não teve medo de confessar a inaptidão de certos métodos, e a
necessidade imperiosa de reformas adequadas. Os documentos pos-conciliares
não são temas de estudo para especialistas teólogos, mas leitura frequente para
todos os filhos da Igreja, mormente para os ministros sagrados, e são,
sobretudo, dinamismos de acção. Não admira, portanto, que, após o Concílio,
novas orientações na evangelização, na pastoral, na celebração litúrgica, no
diálogo com as religiões e com o mundo, tenham surgido e se façam surgir.
Devemos, portanto, estar atentos às novas reformas, para as realizamos
progressivamente nas cristandades que nos estão confiadas pelo Espírito
Santo. Evidentemente que esses documentos conciliares e pós-conciliares
condicionam, possive1mente, a nossa mentalidade, certamente os nossos
métodos tradicionais de trabalho; tenhamos porém a certeza de que nada de
bom se deve perder, mas tudo se deve aperfeiçoar: "não vim destruir, mas
completar", poderá dizer cada nova reforma que nos é traçada pela Santa Sé ou
pelo Bispo da Diocese.

2) A HORA DA SEGUNDA GERAÇÃO CRISTÃ
Por força das circunstâncias, principiámos a evangelização na maioria das
actividades missionárias, pelas crianças das escolas. Ninguém tem o direito de
pensar que os missionários da primeira hora erraram no método. Considerando
todos os aspectos da evangelização passada, devemos dizer que os
missionários fizeram o melhor que podiam, e, em muitos casos, viveram e
trabalharam heroicamente. Não está, portanto, em causa o que se fez; está, sim,
em causa o que devemos fazer neste momento, a que podemos chamar a hora da
segunda geração cristã. Na verdade, quem observa as estatísticas dos casamentos
canónicos, dá-se conta da existência de milhares de casais cristãos em toda a
diocese. Estes casais, na sua maioria, vieram das nossas escolas, muitos deles têm filhos
cristãos, outros são ou foram professores-catequistas nas missões. No entanto,
devemos confessar que não há, propriamente, na maioria das missões, uma
pastoral adequada às famílias, muito menos movimentos de apostolado
familiar.
Esta segunda geração cristã não pode, evidentemente, ser formada na
escola, mesmo que vá à missa na escola; necessita de uma pastoral própria. Obriga-nos,
portanto, a reflectir, a reformar possive1mente os nossos métodos de acção, a ter
em conta, muito seriamente, uma nova condição da cristandade, se queremos, de facto,
comunidades adultas na fé, na esperança e na caridade.

3) A NOVA SITUAÇÃO DAS ESCOLAS E DOS PROFESSORES
Por acordo entre a Santa Sé e o Governo Português, as Missões no Ultramar
assumiram a responsabilidade das escolas elementares, comprometendo-se, por
sua vez, o Governo a dar os subsídios necessários. Podemos e devemos dizer que
a Igreja fez verdadeiros prodígios no campo do ensino primário, e se hoje, em
Moçambique, a língua portuguesa é falada no mato, por milhares de africanos,
deve-se incontestavelmente ao esforço dos missionários. Criaram-se, portanto,
nas missões, estruturas e métodos de trabalho que devem ser revistos à luz da
nova situação das escolas e dos professores.

a) Todos sabemos que a oficialização das Escolas de Habilitação de
Professores de Posto se, por um lado, implica um maior subsídio, dá também ao
governo, como é óbvio, maior direito de ingerência.

b) Por sua vez, o professor contratado - contrato firmado entre o professor e
o Governo-Geral - uma vez que adquira a sua autonomia económica, dificilmente
continuará a colaborar com o missionário, como até hoje; a própria escola onde
este professor trabalhe, está mais sujeita às exigências da Inspecção escolar. É
necessário darmo-nos conta que a partir da oficialização das Escolas Normais, os
alunos formados serão progressivamente contratados por ordem de classificação.

c) Acresce ainda que o Estado vai construindo, como é seu dever, escolas
oficiais, alargando a rede de escolarização e limitando, consequentemente, a
acção missionária através escolas.

d) Se pensarmos nesta nova situação escolar, e ao mesmo tempo nos cristãos
adultos que exigem uma acção pastoral própria, somos forçados a rever as nossas
estruturas tradicionais e a estudar os métodos que melhor respondam a este
condicionalismo.

Os catecumenados existentes em todas as missões deverão ser revistos à
luz dos documentos conciliares (AG 14) e dos condicionalismos que nos são
impostos; não podemos dormir sobre o que temos; é nosso dever pensar e
repensar de olhos bem abertos e com um grande amor à Igreja, o catecumenado
do futuro. Impõe-se também uma atenção mais eficaz às escolas primárias
oficiais, situadas nas áreas das nossas paróquias ou missões. Conforme está
previsto na lei, é-nos facultada uma hora por semana para estarmos com os
alunos. Não cumpriríamos o nosso dever de missionários e daríamos uma
ocasião a graves precedentes se considerássemos as escolas primárias estaduais
fora das nossas preocupações apostólicas. As nossas visitas, previamente
elaboradas, poderão ser uma fonte de evangelização e santificação, tanto para os
alunos como para os professores.

4) A PRESENÇA DOS MUÇULMANOS
É fácil darmo-nos conta da importância numérica dos muçulmanos dentro
da nossa diocese, e do seu proselitismo; esta importância agrava-se na medida
em que os muçulmanos encontram um apoio absolutamente novo, e em muitos
casos de carácter público. Por outro lado, o ritmo da Igreja exorta-nos a um
diálogo capaz de evitar a guerra-santa de parte a parte e a tornar possível uma
colaboração, particularmente no campo da promoção e da paz. “A Igreja olha
também com estima para os muçulmanos. E se é verdade que no decurso dos
séculos surgiram entre cristãos e muçulmanos não poucas discórdias e ódios,
este Sagrado Concílio a todos exorta a que esquecendo o passado, sinceramente
se exercitem na compreensão mútua, e, juntos, defendam e promovam a justiça
social, os bens morais, a paz e a liberdade para todos os homens” (NA 3).
Evidentemente que este diálogo não pode resultar de um simples encontro do
bispo ou do missionário com os muçulmanos, ou da presença destes na missão,
no dia da visita pastoral. Ao contrário, dadas as dificuldades da acção
missionária em terras islamizadas, e não raras vezes a ausência na missão de um
grupo de cristãos adultos capazes de impressionar como assembleia litúrgica e
comunidade de amor, a presença numerosa e adulta dos muçulmanos na missão
causará certamente problemas e obriga-nos a reflectir.

O verdadeiro ecumenismo principia por dentro. Sem renovação interior -
das mentalidades e do coração não é possível uma acção ecuménica verdadeira.
Por isso, a Igreja ora, espera, age e exorta os seus filhos a que se purifiquem e
renovem, para que o sinal de Cristo brilhe mais claramente no seu rosto (LG 15).
Ponderadas todas as circunstâncias que me levem a dizer que os
muçulmanos estão na sua hora, é nosso dever conhecer mais seriamente a
realidade islâmica e descobrir os métodos mais eficazes para um diálogo
frutuoso. A este propósito, o Concílio fala do diálogo entre peritos competentes
(UR 4), antes do encontro das comunidades cristãs com os muçulmanos anónimos.
Devemos olhar de frente este condicionalismo da acção missionária e da
pastoral, confiar no Senhor, Salvador de todos os homens, e tentar a fundação de
um Centro onde os peritos investiguem, e seguidamente ajudem os missionários,
não propriamente a converter os muçulmanos, mas a tornar as comunidades
cristãs capazes de um testemunho de amor e de uma acção mais eficaz.

5) O PROGRESSO SOCIOECONÓMICO E O ÊXODO RURAL
O crescimento socioeconómico do homem, das famílias e dos povos é da
vontade de Deus. É mesmo o primeiro mandamento da Bíblia: crescei,
multiplicai-vos, dominai a terra (Gn 1,28). Assistimos, felizmente, a um
progresso socioeconómico e pretende-se que este seja cada vez mais rápido.
Todos admitem que é necessário recuperar, e nesta fase da história o factor
tempo é de uma importância extraordinária. A transformação operada pelo
progresso económico impõe, necessariamente, à pastoral e à própria acção
missionária, novos condicionalismos, levanta novas questões, especialmente no
que respeita ao êxodo rural, à concentração nos subúrbios das cidades, à
desvinculação progressiva das leis tradicionais, à aquisição de novas
mentalidades, à corrupção frequente dos costumes, e ao reflexo, por via de
contacto, com as famílias ainda mergulhadas nos costumes ancestrais. Daqui a
necessidade cada vez mais premente da união eficaz entre os centros urbanos e as
diversas missões, a solicitude de todos os missionários por todos os missionários a
fim de que nenhum cristão se perca, o apetrechamento pastoral dos principais
centros urbanos, a montagem de um Serviço Diocesano de Migração.
Não podemos continuar com o método que permite ao cristão e às famílias
cristãs abandonarem as missões de origem e deslocarem-se para os centros
urbanos, ficando completamente desligados, muitas vezes perdidos e
frequentemente absorvidos pelo meio ambiente. Devemos, em consciência,
reflectir sobre o novo condicionalismo, necessariamente, cada vez mais premente.

6) A DEFESA MILITAR E A SUA INFLUÊNCIA NAS MISSÕES
E evidente que a presença dos aquartelamentos na área da missão põe,
certamente, novos problemas à acção missionária. Devemos estar atentos a este
novo condicionalismo e estudar os métodos mais adequados de colaboração com
todos os que buscam a Paz, de modo que, somadas as energias, consigamos não só
evitar ou eliminar tudo quanto possa ofender a família africana, destruir tradições
válidas e dificultar a evangelização, mas sobretudo instaurar o amor fraterno,
fundado na dignidade de cada homem, de cada mulher, de cada família ou etnia, e
nos seus direitos inalienáveis.

Todos unidos não somos de mais para construirmos, a tempo, o mundo dos
homens que amam a Paz e rejeitam a guerra.

Urge também estudar a pastoral dos nossos cristãos em serviço militar, quer
enquanto militam no exército, quer especialmente depois que regressam, muitas
vezes, incapazes de se adaptarem ao meio ambiente onde anteriormente viviam.
Esta situação agrava-se na medida em que o militar era professor na Missão, e
dificilmente regressa como professor.

Igualmente colaborem os missionários com as autoridades administrativas,
nos campos que são comuns - nas obras da promoção e da Paz. Mas não esqueçam
que, em todas as circunstâncias, a nossa missão de profetas, sacerdotes e servos de
Cristo, nos obriga a conservar a liberdade para anunciar o Evangelho e denunciar os
pecados que ofendem a Deus e aos homens.

7) O AUMENTO DAS VOCAÇÕES E SEU SIGNIFICADO
A obra de implantação da Igreja num determinado agrupamento humano, atinge o seu
termo quando a assembleia dos fiéis, enraizada já na vida social, e adaptada à cultura local, goza de certa estabilidade e firmeza: com recursos próprios, ainda que insuficientes, de clero local, de religiosos e de leigos; possui já os ministérios e as instituições necessárias para viver e
desenvolver a vida do Povo de Deus, sob orientação do próprio bispo (AG 19).

Temos, portanto, de atender aos ministérios e instituições necessárias. Quanto aos
ministérios, surge-nos um problema de base que devemos enfrentar com lucidez e coragem: o
problema das vocações. 
Segundo a doutrina conciliar (AG 15), podemos distinguir nas igrejas
jovens, em crescimento, quatro categorias de vocações: sacerdotes, diáconos, catequistas, acção
católica.




a) - Os leigos militantes: sem a presença activa dos leigos, o Evangelho não pode gravar-se
profundamente nos espíritos, na vida, no trabalho de um povo, e por isso os missionários
devem, desde o início, ter em muito apreço o difícil apostolado dos leigos (AG 21).

b) - Os catequistas, casados ou não, homens ou mulheres, os quais penetrados do espírito
apostólico prestam uma ajuda regular e absolutamente necessária à expansão da fé e da Igreja. A sua formação deve, portanto, fazer-se de maneira acomodada ao progresso cultural, de tal modo que eles possam desempenhar o mais perfeitamente possível o seu múnus como colaboradores eficazes de ordem sacerdotal (AG 17).

c) - Os religiosos e religiosas: desde o início das suas actividades, o missionário deve ter o cuidado de promover a vida religiosa, pois esta não somente presta ajuda preciosa e
absolutamente necessária à actividade missionária, mas, pela consagração mais íntima,
feita a Deus na Igreja, é um sinal do Amor no meio do Povo de Deus e dos próprios
pagãos (AG 18).

d) - Os diáconos (casados ou solteiros): nos lugares em que as Conferências
Episcopais julgarem oportuno -- e a nossa já o julgou oportuno - restabeleça-se a
ordem de diaconado, como estado de vida permanente, em conformidade com as
normas da Constituição sobre a Igreja (AG 16).

Estamos certos de que o Centro Catequético Paulo VI, no Anchilo, poderá
ser o primeiro ensaio de vocações para o diaconado de homens casados, tão
necessário nas missões como ministros sagrados e testemunhas da Fé e da Igreja
- comunhão de Caridade.

e) - Finalmente, os sacerdotes, presbíteros e bispos. A Igreja, efectivamente,
lança raízes mais vigorosas em cada agrupamento humano quando as várias
comunidades dos fiéis - note-se que fala em comunidade e não em famílias
isoladas - tiram de entre os seus membros os próprios ministros da salvação na
ordem dos bispos, dos presbíteros e dos diáconos (AG 16).

Tendo presente o desenvolvimento das nossas cristandades e por outro lado
a escassez das vocações qualificadas que o Concílio nos aponta, devemos
repensar muito seriamente a maturação espiritual-litúrgica e testemunhal das
nossas comunidades, o recrutamento, aproveitamento e formação das vocações
sacerdotais e religiosas.

O número de seminaristas triplicou nestes dois últimos anos; mas todos nós
podemos concluir da fragilidade de tais vocações, uma vez que muitas das
famílias buscam para seus filhos a promoção cultural através do seminário.
Actualmente, o seminário é um sério problema económico para a diocese.
Teremos de reflectir com os olhos postos no bem da Igreja que estamos a
construir e da qual somos todos responsáveis. Não rejeitamos a promoção
cultural, mas é nosso dever encontrar novos caminhos para um recrutamento
mais sério, uma formação mais sólida, um rendimento maior.

8) A CONTRIBUIÇÃO ECONÓMICA DOS CRJSTÃOS
Dentro de um verdadeiro programa de promoção e de formação cristã, não
podemos deixar de educar os nossos cristãos na participação activa tanto na
assembleia litúrgica, como na sustentação económica da missão. Além disso, a
contribuição económica do cristão é um mandamento da Igreja-- que ainda não
foi abolido - e uma forma prática de evitarmos o paternalismo que todos
rejeitamos. Chegou a hora de principiarmos com esta contribuição, e por razões
de todos conhecidas:

a) A dotação do governo à diocese não tem aumentado, mas aumentam as
despesas porque a vida missionária não deve parar. No ano em curso temos já
um déficit de 1.200 contos, e no ano passado fechámos as contas com um deficit
de 750 contos. É certo que a diocese não está, realmente, em situação deficitária,
porque mercê de ofertas vindas de diversas partes, e de algumas reservas,
conseguimos cobrir os deficits relativos à dotação do governo. Mas a condição
de oferta é muito problemática, para, na verdade, podermos continuar a viver e a
alargar o Reino de Deus.

b) Os honorários dos nossos missionários são baixos, e muitos dos
vencimentos dos nossos colaboradores (professores-catequistas) ofendem a
Justiça. Torna-se urgente subirmos os vencimento de alguns deles, mas o
dinheiro libertado pelos contratos não dá margem para resolver o problema,
nem sequer dos professores com a 4ª classe.

c) Estamos a iniciar uma nova estrutura missionária: o catequista. A
cristandade deverá, desde já, ser educada numa contribuição, para que amanhã os
catequistas vivam dignamente da missão. Não podemos colocar um catequista
numa situação de inferioridade ou numa condição de esmola. Tem direito a uma
vida digna e esta deverá ser obra de todos os cristãos.

d) É evidente que a continuarmos assim, (dando tudo e nada exigindo),
estamos a preparar um futuro perigoso para a Igreja em Moçambique. Uma
diocese deve, pouco a pouco, construir a sua autonomia económica; este
condicionalismo obriga-nos também a pensar e a descobrir o melhor método,
quanto possível substancialmente uniforme para toda a Diocese.

II - A DIOCESE É UMA PORÇÃO DO POVO DE DEUS, CONFIADA
A UM BISPO, PARA QUE A APASCENTE COM A COLABORAÇÃO DO PRESBITÉRIO (CD 12)

De tudo quanto dissemos e desta afirmação conciliar, vamos deduzir algumas
conclusões de ordem pastoral.

Na pessoa dos Bispos, a que assistem os presbíteros, é o próprio Senhor Jesus
Cristo - Pontífice Supremo - que está presente no meio dos fiéis (LG 21). Por isso
o bispo ê o princípio e o fundamento visível da Unidade na sua Igreja particular,
formada à imagem da Igreja Universal (LG 23): preside em nome de Deus à Grei
de que ê pastor, mestre da doutrina, sacerdote do culto sagrado, e ministro do
governo da Igreja. (LG 20).

Pertence-lhe, como centro da unidade, promover, dirigir e coordenar a
actividade missionária; não há, portanto, comunhão diocesana sem o princípio
visível da unidade - o Bispo - nem cabeça visível da grei diocesana, sem o bispo,
nem coordenação eficaz do apostolado sem o bispo. Dados os condiciona1ismos
que enumerámos mais atrás, impõe-se uma acção missionária coordenada e uma
pastoral de conjunto. Mas uma acção de conjunto, tendente a dinamizar a diocese
num ritmo uniforme, requer um conjunto de condições básicas:

a) As pessoas comprometidas na acção missionário-pastoral - bispo,
sacerdotes, religiosos, leigos - devem possuir uma visão comum sobre os
problemas de base e humildade suficiente para abdicar dos próprios critérios em
favor dos critérios comuns.

b) Em face dos homens que é preciso salvar, o missionário - sacerdote,
religioso ou leigo - não dirá eu, mas sim nós, a Igreja. É que o verdadeiro agente
da evangelização não é só o Bispo, nem só o sacerdote ou o leigo baptizado, mas a
comunidade que proclama a fé, celebra a eucaristia, testemunha a caridade e é
presidida pelo bispo com o seu presbitério. Sem esta conversão de coração, sem
esta comunhão eclesial, não é possível uma acção de conjunto, uma pastoral que
encarne os problemas da diocese no seu conjunto. A pastoral de conjunto, tão
necessária e cada vez mais urgente, é e quer ser o esforço unânime e convergente
de todos os membros do Povo de Deus (sacerdotes, religiosos, leigos), a fim de
permitir à Igreja cumprir eficazmente a sua missão de salvação.

c) Depois das pessoas, devem surgir os órgãos de acção missionário-pastoral
em conjunto. As normas pós-conciliares indicam-nos concretamente
alguns destes órgãos indispensáveis na diocese para a comunhão da acção.

Assim, o Conselho de Presbíteros, o Conselho Pastoral, as diversas
comissões diocesanas com os diversos secretariados, não são "coisas
modernas", idealismos do Bispo da Diocese, mas órgãos que, em consciência,
devemos criar, e nos quais todo o presbitério, toda a diocese, está e deve sentirse
comprometida. Sem esta convicção interior, sem esta cooperação eficaz,
continuaremos a tentar construir “a minha missão", ou "as missões do nosso
instituto"; os grandes problemas comuns não serão enfrentados, os órgãos
diocesanos serão estruturas mortas, a comunhão diocesana não existirá, e sem
comunhão não há Igreja. Espero que esta minha comunicação ajude o
presbitério a prosseguir com entusiasmo a reflexão sobre os diversos problemas
missionários, a encontrar, com a graça do Espírito, as orientações missionárias e pastorais
mais oportunas e mais eficazes, e a cumprir, firmes na fé, alegres na
esperança, unidos no amor, as normas que aprovamos nesta II Reunião do
Conselho de Presbíteros. Resta-me agradecer o vosso esforço e a vossa dedicação
e saudar no Senhor todos os missionários e missionárias - sacerdotes,
religiosos e leigos - que vivem, oram, trabalham e sofrem para que esta diocese
seja uma Igreja cada vez mais viva e fecunda, e todos os "homens cheguem ao
conhecimento da Verdade, que está em Jesus Cristo. Que a Paz de Deus, que
ultrapassa todo o entendimento, guarde os vossos corações e os vossos
pensamentos” (Fl 4,7), e que o Natal de Jesus faça crescer em todos nós a
comunhão fraterna, e o ano de 70 dê mais glória a Deus e a Paz aos homens.

Nampula, Residência Episcopal, Natal de 1969.

+ Padre Manuel, Bispo da Igreja em Nampula.

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