Denúncia das injustiças cometidas nos Campos de
Reeducação, que D. Manuel Vieira Pinto pessoalmente
visitou, e a defesa das liberdades individuais.
in D.
Manuel Vieira
Pinto – Arcebispo de Nampula. Cristianismo:
política e mística. Antologia, Introdução e notas de Anselmo Borges, Porto, 1992, ASA
Na conversa que tivemos por amável
deferência do Camarada Presidente em 5 de Janeiro do ano corrente, entre
outras, pudemos abordar a interrogação levantada pelo povo acerca dos Campos de Reeducação.
Dizíamos então: «Os abusos já denunciados (com particular
ressonância na reunião do Departamento da Defesa de 10 a 13 de Dezembro p.p.)
levam o povo a interrogar-se sobre a seriedade dos Campos de Reeducação e suas
condições de vida, talvez por falta de informação correcta».
- Referindo os objectivos correctos
dos Campos de Reeducação, o Camarada Presidente focou particularmente o valor
da vida humana como princípio que levou a Frelimo a criar os campos, afirmando ao mesmo
tempo que a destruição ou humilhação da vida humana (como seja o fuzilamento e
os maus tratos) estão fora da linha correcta da Frelimo.
- Apesar das diligências feitas
ulteriormente pelo Governo, no sentido de eliminar possíveis abusos e de promover
as condições políticas e técnicas que permitam aos campos realizar
efectivamente os objectivos, conforme a linha correcta da Frelimo, a
interrogação que o povo levantava não só continua como tende a agravar-se,
mercê das situações de desumanidade que, verdadeiras ou falsas, vão sendo
conhecidas.
- Para nós é evidente que a Frelimo, sendo por definição
e pela prática uma vanguarda revolucionária de libertação do Povo, não pode
aceitar, sob pena de se contradizer, campos que em vez de recuperarem e reeducarem
destroem e oprimem.
- Dentro, por conseguinte, de uma
colaboração leal com as estruturas, tanto da Frelimo como do Governo, no
combate que o Povo moçambicano hoje trava para se libertar de toda a exploração
(de toda a injustiça e opressão, de todos os vícios e abusos degradantes, de
todo o medo e ameaça), entendemos ser nosso dever pedir mais uma vez ao
Camarada Presidente um rigoroso
inquérito» sobre os Campos de Reeducação.
- Tal inquérito deveria permitir
averiguar objectivamente a situação actual dos detidos, a culpabilidade de cada
um deles, as condições e estruturas políticas e técnicas dos campos, os
programas de reeducação, os abusos cometidos, as injustiças praticadas.
- Deveria, além disso, proporcionar
aos inocentes a liberdade imediata, aos culpados o direito de se defenderem e
às famí1ias dos detidos uma informação correcta. Na verdade, a detenção, o
paradeiro e a sorte de muitos detidos constituem para as respectivas famílias
um motivo de profunda angústia, além de ocasionarem boatos, gravemente
prejudiciais ao avanço correcto da Revolução.
- Juntamos um pequeno relatório que
nos chegou, bem como algumas cartas de detidos. Embora deficientes, tanto o
relatório como as cartas têm o valor de quem contactou directamente com os detidos
e de quem viveu situações concretas.
- Desejaríamos que na construção da
sociedade nova, o direito das pessoas à justiça, consignado na Constituição,
fosse inteiramente respeitado. Com efeito, «na República Popular de Moçambique ninguém pode ser preso e submetido a
julgamento senão nos termos da Lei. O Estado garante aos arguidos o direito de
defesa» (Artigo 35º), bem como as liberdades individuais a todos os cidadãos»
(Artigo 33º).
Por outro lado, «fazer respeitar a
Constituição e fazer justiça a todos os cidadãos» é um dever que o Presidente
da República a si mesmo impõe, quando, no momento da investidura, presta o seu
juramento de honra (Artigo 50º).
Cremos bem que ao «dedicarem todas
as energias à defesa, promoção e consolidação das conquistas da Revolução, ao
bem-estar do Povo moçambicano» (Artigo 50º) o Camarada Presidente e a Frelimo não deixam de ter
presente a justiça, sem a qual não é possível a libertação do Povo.
- Pedimos que nos releve esta breve
exposição. Fizemo-la, pensando na dignidade e vocação do Povo moçambicano e no
desejo sincero de continuarmos a trabalhar na construção de uma sociedade
verdadeiramente liberta da exploração.
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