quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Diocese de Nampula tem novo Bispo




 Ernesto Maguengue - Novo Bispo em Nampula - Surpresa

Desde há anos que a saúde do Arcebispo Tomé Makhweliha, de Nampula, lhe não tem permitido estar presente na ampla Diocese como as necessidades e os deveres pastorais exigiam. Entre a sua resignação por motivos de saúde e a possibilidade de um bispo auxiliar, todos os figurinos iam passando entre os clérigos de dentro e de fora da diocese.

Finalmente, em Agosto passado, fomos surpreendidos com a nmeação do Bispo Ernesto Maguengue simplesmente como auxiliar. Para os leitores menos familiarizados com esas questões, informo que nestas circunstâncias, o que muitas vezes acontece é ser nomeado um bispo coadjutor com direito a sucessão. É uma figura do direito que dá maior conforto operativo e pastoral ao bispo nomeado que, praticamente, sabe que o seu trabalho, embora em articulação com o ainda bispo titular, já se projecta para o futuro em que ele será o bispo residencial
.
Aconteceu assim, por exemplo, com José Policarpo, em 1998, quando no leito de doença irreversível, o cardeal Ribeiro, então Patriarca de Lisboa, aguardava a sua Páscoa defintiva para Deus. José Policarpo foi nomeado Arcebispo-Coadjutor.

No caso de Nampula, o Vaticano mostrou-se mais cauteloso e optou apenas pela nomeação de bispo auxiliar. A circunstância da ausência do titular, Arcebispo Tomé Makhweliha, confere-lhe, na prática, obrigações pastorais de tempo inteiro. É o que todos esperamos dele. 

Entre a apreensão e a surpresa 
A nomeação do Bispo Ernesto deixou muitas pessoas apreensivas. Na verdade, ele viu-se obrigado a resignar da sua primeira diocese, a de Pemba, em circunstâncias algo delicadas. Muitas foram as razões que circularam nos bastidores, dentre as quais, a incapacidade de se entender com os seus padres diocesanos. Nunca isto ficou completamente esclarecido, mas os ditos foram variados.

Sabendo, por interpostas pessoas, da capacidade intelectual e da qualidade espiritual do ainda Padre Ernesto, era para mim evidente que haveria que encontrar um modo de voltar a inseri-lo na vida da Igreja de Moçambique. Mas não me passava pela cabeça que ele pudesse, de alguma maneira, “regressar” a um espaço canónico – a província eclesiástica de Nampula na qual se integra a diocese de Pemba – donde saíra nas perturbadoras circunstâncias de que todos estamos ainda lembrados. Esta a razão da perplexidade e da discordância desta nomeação.

Mas Deus escreve direito por linhas tortas e até sem linhas nenhumas. Dou graças a Deus pela coragem do Bispo Ernesto ter chegado a aceitar tão desafiante proposta. Pelo pouco que já me foi dado constatar, não hesito em vislumbrar nele o futuro arcebispo de Nampula.

Os que vivemos a sua nomeação com apreensão, dizemos, agora, que  a experiência de Pemba foi, para ele, uma grande escola. Do bispo distante e de difícil acesso (segundo os rumores de então), parece que nem réstea ficou. Em Nampula ele está dando provas de uma grande e humilde proximidade. Criou, para si, o estribilho de comunicação evangélica, “trabalhador da última hora” que deseja aprender com quem já cá está...

Nos encontros tem-se revelado um exímio pedagogo e gestor que não deixa para amanhã aquilo que deve ser resolvido – e feito – hoje. E isto numa mestria de paciência e respeito para com os ritmos que encontrou na diocese, nem sempre tão diligentes e céleres quanto seria de desejar.



Apraz-me recordar aqui o encontro que presenciei com os animadores das comunidades da Paróquia de Angoche, Aiube, Namitória e Namaponda, aquando da sua visita em 16 de Novembro. Foi delicioso vê-lo “conversar”, em espontâneo jeito coloquial, com o grupo reunido na Igreja Paroquial depois da grande celebração num recinto de desportos durante toda a manhã.

 Na linguagem e nos gestos dramatizados, ele passou uma mensagem bem assumida pelos circunstantes de que, a nossa vida e o exercício das nossas responsabilidades, devem assentar na Oração, no Trabalho, e no Conhecimento (ideia).

Nas suas homilias, tem-se-me revelado não só um excelente orador, mas também um excelente comunicador popular. Não resvalando para a linguagem eclesiástica tantas vezes rotineira e feita de lugares-comuns, mostra-se um bom companheiro do Papa Francisco: homilia contextualizada no povo simples que o escuta, e interveniente até ao coração das pessoas. 

Creio que demora mais do que o Papa, mas também o Papa não pode ter razão em tudo... Certamente que na sua celebração quotidiana na Casa Santa Marta, onde reside no Vaticano, ele é obrigado a ser mais conciso e breve, porque não dispõe nem do tempo nem do povo africanos!

Na celebração litúrgica tenho-o visto, com agrado, mais preocupado com a qualidade do que com o formalismo que parece querer invadir tantos sectores da Igreja católica apostados no regresso aos tempos pre-conciliares.

As “buxas” oportunas no desenrolar do rito eucarístico, à revelia e em reforço do ritual, sublinhando a nobreza dos momentos, revelam quanta liberdade de espírito e de criatividade lhe vai na alma.

Parabéns, Irmão Bispo Ernesto! Que Deus te conserve fiel na criatividade que vens revelando!

quarta-feira, 25 de junho de 2014

O 25 de Abril e o Bispo de Nampula

BISPO DE NAMPULA VIEIRA PINTO
  "FAMIGERADO TRAIDOR À PÁTRIA   INDESEJÁVEL EM 
TERRITÓRIO PORTUGUÊS  VIVA PORTUGAL UNO  E 
INDIVISÍVEL"

O 25 de Abril apanhou o Bispo Manuel Vieira Pinto, em Portugal, na situação de expulso de Moçambique (acontecera no próprio Domingo de Páscoa- 14 de Abril, nesse ano) e, ao que tudo indicava, em riscos de ser expulso mesmo de Portugal. Era isso que parecia programado na fotografia profusamente distribuída em Moçambique, de Norte a Sul, durante o Mês de Março.

Vieira Pinto chegara a Moçambique em Setembro de 1967 onde o comando do  General Kaulza de Arriaga se mostraria impotente diante da impetuosidade da luta da Frelimo. A famosa operação Nó Górdio (1970) fracassaria redondamente.

Na Catedral de Nampula, pela voz firme e profética do jovem Bispo recém-nomeado, ecoava a exortação de Paulo VI em Fátima: Homens, sede Homens! 

Desde o primeiro momento, Vieira Pinto, muito espontaneamente, acontecia-lhe como agora ao Papa Francisco, e aí estava ele com gestos e palavras que deixavam os colonos desconcertados.

Momentos depois de aterrar, ultrapassa as filas VIPs e vai lá atrás, às filas do povo africano que o espreitava e, tomando uma criança dos braços de uma mãe macua,

eleva-a em direcção ao sol. Murmurações surdas de colonos, e gritos de exultante alegria, de negros, misturam-se. Durante toda a sua vida Vieira Pinto narraria esta cena fundante da sua pastoral em Nampula, e que repetiria vezes sem conta, com natural agrado do Povo.

Depois, não perderia tempo a tratar de mudar mentalidades ao ritmo do Vaticano II. Em 1971 publicou Estamos numa Hora de Viragem, documento verdadeiramente programático de corte com os equívocos e as ambiguidades da acção missionária ao abrigo do Acordo Missionário em que a "portugalização" mais prejudicava do que favorecia uma autêntica evangelização.

Mas a Homilia do Dia Mundial da Paz de 1974 - Repensar a Guerra - foi a gota de água que fez transbordar a (im)paciência e a raiva do regime colonial, sobretudo da PIDE.

No mês de Fevereiro, os Padres e as Irmãs Combonianos  publicam, na linha da atitude dos Padres Brancos em 1971, Um Imperativo de Consciênciaversando sobre os direitos do Povo Moçambicano. O Bispo assina também. Rapidamente chega ao conhecimento das autoridades e as manobras de ataque não se fazem esperar.

Manifestações arruaceiras orquestradas pela PIDE manipulando as forças mais primárias, ignorantes e colonialistas de Nampula,  levam, primeiro, ao ataque à Igreja Paroquial de S.Pedro, onde partiram todos os vidros, à Catedral e ao Centro Catequético do Anchilo, bem como a pedradas e insultos de fronte da residência episcopal, e, finalmente, à prisão de 10 missionários combonianos juntamente com o Bispo, a pretexto, dizia o Governador Gama Amaral, de os defender da fúria popular. Todos seriam expulsos não só de Nampula mas também de Moçambique.

Com o 25 de Abril não se fez esperar o desagravo político. O General Spínola convidou-o para membro do Conselho de Estado, o que foi, naturalmente, declinado.

Vieira Pinto, por decisão pessoal, regressaria a Nampula em Janeiro de 1975, em pleno processo de transição para a Independência em cuja cerimónia oficial, no estádio da Machava, foi convidado expresso do Presidente Samora.

Finalmente eleito presidente da CEM ainda pela maioria dos seus pares portugueses (apenas tinham sido nomeados os dois primeiros bispos negros moçambicanos, Alexandre Maria dos Santos (Lourenço Marques/Maputo) e Januário Nhamgumbe (Porto Amélia/Pemba), não chegaria a terminar o seu mandato. Outros valores nacionalistas se levantavam entretanto. Mas Vieira Pinto permaneceu em serviço lúcido e dedicado ao seu povo, agora sob os ventos da revolução marxista-leninista de que a Frelimo se reclamava contundentemente.

São deste tempo 3 documentos importantíssimos onde a coragem e a serenidade da sua visão profética mais uma vez se fazem  alimento precioso para quem não queria nem virar anti-comunista primário, nem colaborador acrítico da proclamada obra de reconstrução nacional revolucionária:
- Interpelações da revolução
Um Tempo Novo
 Ateísmo e Religião - Fé e Revolução 


Já nos tempos da maldita guerra civil, pronunciou uma importante homilia no Dia Mundial da Paz de 1984 que teve por título:

A CORAGEM DA PAZ

No mês de Março seguinte seria celebrado o Acordo de Incomati entre o regime do Apartheid e o governo de Samora Machel. Mas o martírio da guerra perduraria ainda muito para lá da morte de Samora (19 de Outubro de 1986), até ao Acordo Geral de Paz entre a RENAMO e o Governo de Moçambique (4.10.1992), que, por não ter sido devidamente implementado o seu protocolo IV, está a provocar sérias perturbações militares com novas e inúteis perdas de vidas nestes dias.

O Arcebispo Manuel Vieira Pinto permaneceria em Moçambique até ao Mês de Março de 2001, altura em que tomou posse o seu sucessor, o primeiro arcebispo moçambicano de Nampula, Tomé Makhweliha.

Vive os seus últimos dias na Casa Sacerdotal da Diocese do Porto de cuja Fraternidade foi um dos grandes impulsionadores enquanto jovem padre.