DEUS EXISTE? - Julho 1979




É um dos muitos textos de D. Manuel Vieira Pinto no sentido da formação de leigos adultos.
Profundamente inspirado na obra de Hans Küng, publicada em 1978 em alemão: Existiert Got? Antwort auf die Gottesfrage der Neuzeit, Munique, e traduzida para castelhano em 1979: Existe Dios? Respuesta al problema de Dios en nuestro tiempo, Madrid. O texto, de Julho de 1979, cita-a frequentemente (Anselmo Borges em D. Manuel Vieira Pinto-Arcebispo de Nampula – Cristianismo: Política e mística, ASA, Porto, 1992).

1 - O enigma fundamental da existência humana será pouco menos que insolúvel se não se chega a esclarecer a questão radical: o problema de Deus. «Há algo que eu desejaria dizer aos teólogos, algo que eles já sabem e que também os demais deveriam saber: eles são os que guardam a única verdade que tem maior profundidade que a verdade científica, sobre a qual descansa a era atómica. Eles são os que guardam um saber da essência do Homem cujas raízes são mais profundas que as da racionalidade da época moderna. Sempre chega o momento em que inevitavelmente se pergunta e perguntará por esta verdade, quando a planificação fracassa». Assim se expressa, diri­gindo-se aos teólogos, o físico atómico e filósofo Carl Friederich von Weizsacker (cit. in Hans Küng, Existe Dias?, Madrid, 1979, p. 653). 

2 - É surpreendente o rumo que o desenvolvimento da ciência, da téc­nica, da economia, da política, da cultura tomou no último quartel deste século. Será útil fazer umas breves observações:

- As duas grandes ideologias predominantes nas últimas décadas, a da' evolução tecnológica e a da revolução político-social, não conduzem, por si mesmas, a um humanismo pleno, nem dão, enquanto tais, uma resposta plena às interrogações últimas do Homem.
- No entanto, não há que renunciar à esperança de uma sociedade metatecnológica, uma sociedade liberta das opressões da natureza, da igno­rância e dos totalitarismos, uma sociedade capaz de satisfazer as necessida­des materiais e de contemplar os valores humanos que tornam a vida digna de ser vivida. 
- Não há que renunciar à esperança de uma sociedade meta-revolucio­nária, ou seja, uma sociedade verdadeiramente pacificada, um reino de liber­dade, igualdade e felicidade, relativamente à vida de cada um e à história de toda a humanidade. 

- Mas há que renunciar somente ao progresso tecnológico enquanto ide­ologia que, guiada por interesses, desconhece a autêntica realidade do mundo e do Homem e desperta ilusões sobre as possibilidades humanas.
- Há que renunciar unicamente à fé na ciência como explicação total da realidade e à tecnocracia como nova religião que tudo salva.
- Há que renunciar unicamente à revolução político-social enquanto ide­ologia que busca a mudança da sociedade através da violência e dá origem a um novo sistema de domínio do Homem sobre o Homem.
- Há que renunciar exclusivamente ao marxismo enquanto explicação total da realidade e à revolução como nova religião que tudo salva. 

3 - A evolução da sociedade, tanto no Ocidente como no Oriente, mos­tra que:
- Há um crescer cada vez maior de tecnocratas que recusam fazer da ciência e da técnica a sua religião.
- Há um número cada vez mais significativo de marxistas (no Ocidente e também no Oriente) que não querem fazer do seu marxismo uma religião.
- Há um desejo cada vez mais vasto de uma nova síntese: um futuro onde seja possível conjugar-se de um lado o objectivo próprio do huma­nismo político-revolucionário em favor de um mundo mais justo, e de outro lado as instâncias do humanismo tecnológico-evolutivo, em favor de realiza­ções concretas que eliminem a dominação do Homem pela natureza, pela ignorância, pelo medo ou por outro homem e que estabeleçam uma ordem de liberdade pluralista, aberta aos problemas do Homem.
- Há um anseio - expresso de tantas maneiras - de uma força que tanto na teoria como na prática facilite uma alternativa real ao Homem unidimen­sional (Marcuse) e que não seja nem uma nostalgia anacrónica nem um reformismo superficial. 

4 - Isto ajuda-nos a compreender:
- a nova descoberta da transcendência;
- a nova relação entre religião e ciência;
- a secularidade quase religiosa do Homem moderno;
- o futuro da religião;
- a hipótese de Deus.

5 - A nova descoberta da «transcendência» -. O humanismo marxista ou tecnológico considera a «transcendência» como indigna do Homem. É uma redução e uma alienação. O Homem não tem que buscar fora de si a força para se realizar plenamente. Ele é o criador de si mesmo. Realiza-se plena­mente a partir de si mesmo e da realidade. A transcendência (transcendere, passar além de) é uma projecção ilusória. Uma alienação humilhante. Combater a ideia de Deus é combater esta transcendência e negar esta trans­cendência é negar a existência de Deus.
- Peter Berger, sociólogo da religião, publicou em 1969 um livro ­Rumor de Anjos - que provocou grande sensação. Nesse livro, Peter Berger convidava os teólogos -a buscar na situação concreta do Homem» de hoje -os sinais da transcendência» e afirmava que -certos comportamentos prototipica­mente humanos» revelam esses «sinais».
Assim: «a fé na ordem» está estreitamente ligada com a «confiança funda­mental do Homem na realidade». Ora, a realidade põe em causa a confiança se não tem um fundamento, um suporte, um sentido últimos. A confiança na realidade obriga o Homem a escolher entre Deus como fundamento último e sentido último da realidade e o nada como fundamento último e sentido último.
- Outro sinal de transcendência é o «argumento da esperança», bem como o «argumento da justiça», ou seja, o desejo de todo o Homem por uma justiça que transcenda o terreno, o limitado, o imperfeito.

6 - Ernst Bloch, filósofo marxista, professor na Universidade de Tubinga, fala também da transcendência, se bem que num sentido dialéctico: uma das primeiras experiências do Homem é, segundo Bloch, o «não». O Homem não é como poderia ser. Este «não» que o Homem experimenta não é algo defini­tivo. É algo que pode ultrapassar, se o Homem o assume e constrói o futuro.
A sua obra mais importante - O princípio da Esperança - (3 vols. 1967) começa com estas interrogações que Bloch considera «humanas e universais»: 

Quem somos? Donde vimos? Para onde vamos? Que esperamos? O que é que nos aguarda?
- Tanto no seu pensamento como na sua acção, o Homem, inacabado como indivíduo e como sociedade, encontra-se permanentemente imerso num processo de «superação», de «extralimitação», de transcendência. O Homem vive na medida em que tem aspirações, em que vive voltado para o futuro e determinado por ele. 

Este sonhar acordado, este desejo, este desiderium é, segundo Bloch, a única e verdadeira característica de todo o Homem, se bem que tal desejo esteja ainda por realizar.
- Tal desiderium é esforço e é esperança. Esforço para descobrir, espe­rança para alcançar.
Donde, a atitude fundamental do Homem frente à realidade é a docta spes: a esperança provada, fundada, mediada, orientadora, capaz de integrar o próprio fracasso como um «défice criador ...
Esta docta spes é também o princípio fundamental da realidade em geral. "Expectação, esperança, tendência para uma possibilidade ainda não realizada, esta é uma característica fundamental da consciência humana, bem como uma determinação básica da realidade objectiva total .. (E. Bloch, Das Prinzip Hoffnung, I, 5), Esta realidade objectiva é para Bloch um processo universal aberto e no qual o Homem pode intervir criativamente. O mundo é um laboratório no qual a «salvação possível» se pode ensaiar mediante expe­riências. 

Por isso, «nada mais humano que ultrapassar o que existe».
O mundo na sua totalidade continua a ser o supremo campo de experi­mentação, o laboratorium possibilis salutis.
O mundo como laboratório está, portanto, cheio de disposição para algo, de tendência para algo: de latência para algo: o «utópico», em seu sen­tido amplo, positivo, novo.
O ponto central desta «utopia» é sempre o problema dos valores ideais em geral, «o problema do sumo bem».

- Para Bloch, o caminho para este «sumo bem» é e será sempre o socia­lismo que, segundo ele, representa a práxis da utopia concreta.
Um socialismo criador que nada tem a ver com as simplificações dum vulgar ateísmo marxista.
Frente a um ateísmo reducionista e frente a uma Igreja aliada, uma e outra vez, com a classe dominante, Bloch recolhe os impulsos positivos e revolucionários da fé em Deus, que, segundo ele, se encontram sobretudo na Bíblia. 

- A religião é para Bloch, ao contrário de Feuerbach e Marx, manifesta­ção de esperança.
«Onde há esperança há religião», mas onde há religião pode não haver esperança.
- Para Bloch, Deus é uma cifra do humano futuro, ainda não desco­berto, do Homem ainda escondido, ou, mais exactamente, «o ideal hipostasi­ado do ser humano ainda não realizado em sua própria realidade». 

Aparece assim a tese fundamental de Bloch: «Transcender sem Transcendência». Não faltam teólogos que afirmem que o reino de Deus em Bloch não exclui todo o tipo de Deus.
Exclui sem dúvida o deus da alienação do Homem, o deus falso da teodiceia. A verdade, porém, é que Bloch é ateu e o reino de Deus que defende é o reino ateu da liberdade socialista. 

Mas este reino ateu de liberdade não é uma simples projecção dum desejo cuja única garantia - dado que Deus não entra em consideração - não seria mais que a suposta necessidade de uma dialéctica histórica originaria­mente idealista e agora materialista?
Não põem as análises de Bloch o problema da finalidade e meta última do Homem e da sociedade, o problema do sentido último, ao proclamar a lei do transcender sem Transcendência, o princípio da esperança sem garantia definitiva? 

7 - Além desta nova descoberta da transcendência, há também a nova relação entre a religião e a ciência. Em primeiro lugar, observamos que a reli­gião não morreu, como noticiavam os filósofos e os cientistas do século pas­sado. Com efeito: 

- Em lugar da «superação da religião» por obra do ateísmo humanista, como havia anunciado Feuerbach, encontramos hoje, em muitas partes, um novo humanismo teórico e prático vivido por pessoas crentes em Deus. Em lugar da «extinção da religião» por obra do socialismo ateu, como proclamava a teoria de Marx, encontramos hoje um novo despertar religioso precisa­mente nos países socialistas, apesar das proibições e até das repressões vio­lentas.
Em lugar da «substituição da religião» pela ciência ateia, profetizada por Freud, conforme a sua teoria da «ilusão», encontramos hoje uma nova com­preensão, favorável à ética e à religião.

8 - Com efeito, a relação entre religião e ciência vai melhorando, apesar da recíproca desconfiança que ainda existe. Por outro lado, o ateísmo mili­tante parece haver perdido terreno entre os cientistas, o que não quer dizer que a fé em Deus tenha ganho.
O caso mais notável é o dos físicos. Hoje, muitos deles denunciam a insuficiência da imagem do mundo e a compreensão da realidade no sentido materialista-positivista, bem como a relatividade dos seus próprios métodos. 

É curioso verificar que, entre os físicos, não há muitos ateus militantes, embora apareçam muitos agnósticos. Particularmente a partir da bomba ató­mica e das crescentes sequelas negativas do progresso científico-técnico, os físicos, especialmente os físicos-atómicos, põem a questão da responsabili­dade do Homem frente à sua tarefa científico-técnica. Mas falar de responsa­bilidade é falar de ética, a qual implica, por sua vez, a pergunta pelo sentido da vida e por uma escala de valores, e, como base de tudo isto, a pergunta pela religião. 

"Onde não existem directrizes que assinalam o nosso caminho, desapa­rece, juntamente com a escala de valores, o sentido do nosso fazer e do nosso padecer, não restando, no final, mais que negação e desespero. A reli­gião é, portanto, o fundamento da ética e a ética o pressuposto da existên­cia. Temos com efeito que tomar decisões no dia-a-dia, temos que saber ou pelo menos vislumbrar os valores segundo os quais devemos orientar nossa acção».
Assim falava, em 1973, o Prémio Nobel da Física, Werner Heisenberg. (o.c., p. 754).

9 - No âmbito das ciências humanas, a situação é bastante diferente.
Psicólogos e psicoterapeutas continuam a constatar o nexo entre a religião e determinadas neuroses.
No entanto, alguns, como Erik Erikson e Rollo May, constatam uma rela­ção muito significativa entre o retrocesso da religiosidade e a crescente de 0­rientação, a carência de normas, a falta de sentido e as neuroses mais carac­terísticas da nossa época.

O recente livro de Erich Fromm - To Have or to Be? (Nova Iorque, 1976) - vai nesta linha. Partindo do fracasso efectivo da «grande promessa-o segundo a qual a abundância dos bens materiais, mercê da técnica, da indústria, da economia, traria a felicidade ao Homem, Fromm analisa as duas atitudes fundamentais da existência humana: a do ter e a do ser. Segundo ele, a primeira dessas duas modalidades da existência humana (a do ter) constitui o mal básico da nossa era técnico-industrial. Pelo contrário, a outra modalidade (a do ser) exige do Homem o renovar-se a si mesmo, o crescer, o ultrapassar-se, o amor, o interessar-se, o romper o cárcere do seu egoísmo, o dar-se.

Com esta alternativa de ser-ter, Fromm encontrou a chave para compre­ender toda a realidade humana, inclusive a religiosa e a ética.
Com efeito, os grandes génios da humanidade não se cansaram de reflectir sobre a segunda modalidade da existência: a do ser. Assim, Buda, Aristóteles, Jesus. Jesus é, para Fromm, «o herói do amor, um herói sem poderio, um herói que jamais utilizou a violência, que nunca pretendeu dominar e que nada quis possuir». Jesus foi o herói do ser, do dar, do parti­lhar (in Existe Dios?, p. 755).

A religião de Jesus situa-se na linha do ser. É uma realidade positiva.
Todavia, à sombra do cristianismo nasceram e cresceram a «religião indus­trial», a qual reduz o Homem a um escravo da economia e das máquinas fabricadas pelo próprio Homem, e a «religião cibernética», segundo a qual os homens se equiparam a Deus (dadas as suas capacidades técnicas para reali­zar a «segunda criação» do mundo) e as máquinas a divindades.

Estas religiões nada têm a ver com o cristianismo autêntico. Contra elas se levanta o protesto humanista de Fromm, valendo-se das fontes do huma­nismo cristão. A religião cristã aparece assim como um dado positivo, no mundo da psicologia e da psicoterapia, um caminho para a libertação das neuroses e da desorientação de que é vítima a nossa época industrial.

10 - Entre os sociólogos, a religião continua a aparecer como um dado negativo. Críticos de todo o tipo de ideologia, os sociólogos vêem frequente­mente na religião uma ideologia, principalmente a partir das igrejas, conside­radas estas como instituições de poder.

Contudo, há também sociólogos que apresentam uma nova figura da reli­gião e exprimem uma nova compreensão do fenómeno religioso. Com efeito, volta-se a falar, com insistência, na «vigência permanente das necessidades religiosas do Homem», das «situações-limite» da nossa existência, e dos «pro­blemas» do sentido da vida e da morte.

Ao mesmo tempo, os sociólogos estão atentos aos sucedâneos da reli­gião, como são os movimentos dos «hippies», os militantes da «nova esquerda» espalhados por tooo o mundo e a nova religiosidade secularizada ou a reli­gião social. Esta religião social serve de base às pretensões do poder político da nova classe de «mediadores da salvação e do sentido». E é religião, e não apenas uma ideologia, enquanto pretende fundamentar e explicar uma ati­tude básica frente à realidade, condicionando, por isso mesmo, o comporta­mento e o sentido do Homem deste tempo.

Esta nova religiosidade pretende ademais responder à sobrevivência das «necessidades religiosas fundamentais».
Para o sociólogo Helmut Schelsky, esta «nova religiosidade» pouco tem a ver com o cristianismo verdadeiro. Mas constitui um apelo à religião autên­tica e um sinal de que na consciência moderna o sentido religioso não aca­bou. Por outro lado, a religião emerge cada vez mais frente às «situações­-limite» da existência e aos «problemas» do sentido da vida e da morte (o. c., p. 758).

11 - Seja como for, uma coisa parece indiscutível: apesar dos grandes avanços da secularização, a geração jovem reclama uma nova escala de valo­res, novos modelos, prioridades e ideais, novos programas e estilos de vida, como ética e como religião.
"O Homem unidimensional busca outra dimensão da vida», embora mui­tos o façam dum modo inconsciente.
Disto dão testemunho os movimentos religiosos propriamente ditos ­desde os movimentos em volta da pessoa de Jesus e os movimentos carismá­ticos até ao interesse pela religião e pela mística. São também provas disso os movimentos em favor dos direitos humanos e do Terceiro Mundo, muitos deles animados por motivações religiosas.

Os cientistas futurólogos não podem dizer com precisão qual o futuro da religião, frente ao fenómeno da secularização e do ateísmo. Duas coisas porém aparecem como certas:
- A religião não pode ser reduzida a uma simples estatística. A fé, a esperança e a actuação religiosa ultrapassam os números, as estruturas e for­mas de comportamento religioso. Para todos os sociólogos da religião, a reli­gião como arte (como expressão de vida) existirá sempre.

Outra coisa aparece também evidente:
- A convicção comum a crentes e ateus de que o mundo actual com todas as suas injustiças não está em ordem, mantendo por isso bem vivo no seio da humanidade o desejo profundo de uma realidade última, diferente deste mundo aparente, contestável e contraditório em si mesmo.

Os mais graves problemas do Homem, da sociedade e da ciência no presente e no futuro obrigam a perguntar por novas escalas de valores, nor­mas e prioridades, por uma nova visão e um novo estilo de vida; obrigam a perguntar, em última análise, pela ética e, com a ética, pela religião, como seu fundamento e incondicionalidade.

12 - No entanto, o problema da religião não encontra uma resposta teo­lógica clara, onde simplesmente se fala de religião e de religiosidade como fenómeno social. Só onde se dá uma resposta concreta ao problema de Deus.
Com efeito, todos os "sinais da transcendência-, todas as exigências de uma nova consciência e de uma nova determinação de valores, todas as necessidades de religião, todas as perguntas pela origem e destino da reali­dade não demonstram, por si, a existência de Deus.

Haverá, pois, que dar uma resposta clara à pergunta básica: Existe Deus?
Isto é, Deus é, de facto, a resposta às aspirações, esperanças e interrogações últimas do Homem?

A hipótese de Deus

1 - Alguém perguntou ao senhor Keuner se Deus existe. Ele respondeu: será que o teu comportamento muda segundo a resposta que eu der? Se não muda, não vale a pena responder. Mas se muda, então posso dizer-te que necessitas de Deus. (Brecht, Histórias do Senhor, Keuner 1967, cf. Dios existe?, p. 765).
De facto, há muitos que afirmam a sua crença na existência de Deus e em cujo comportamento nada aparece dessa fé. Outros há que não crêem e que vivem como se Deus existisse.
Por isso, é importante a pergunta: Se Deus existe, muda alguma coisa no comportamento do Homem ou não muda nada?

2 - «Se Deus não existe, tudo é permitido», dizia Dostoievsky e Jean-Paul Sartre, se bem que em sentido diferente.
Mas se Deus existe:
- Então esta vida não seria a vida toda; então seria possível uma trans­cendência libertadora, uma ultrapassagem do ·Homem unidimensional, como dizia Herbert Marcuse.
-Então o anseio infinito do Homem - que segundo Ernst Bloch é um ser inquieto, inacabado, insatisfeito, um ser que cada vez exige mais, sabe mais, busca mais, um ser que alarga os braços constantemente para o novo -, então o anseio infinito do Homem teria sentido e não acabaria no vazio, no nada.
- Então não somente se experimentaria uma «salvação possível no labo­ratório do mundo (como dizia Bloch), mas poderíamos falar duma «salvação real» para o indivíduo e para a sociedade.
- Então estaria fundamentada a velha esperança do «Homem novo», da «vida nova», do «tempo novo» no reino de Deus e a reconciliação do Homem, da natureza, do cosmos já não seria uma ilusão.
- Então o sofrimento inevitável e a morte não seriam o definitivo, mas a passagem para algo inteiramente distinto.
- Então o desejo (de Max Horkheimer) duma «justiça cumprida», dum «sentido absoluto» e duma verdade eterna não seria algo irreal, mas algo reali­zável.
- Então os sinais de transcendência (Berger), as exigências de uma nova consciência e de uma nova determinação de valores (Reich), a necessidade da religião (Bel!), as perguntas relativas à origem e ao fim (Mehnert) não nos levariam a pensar no nada como resposta - mas na realidade mais real.

3 - Com efeito, a resposta aos problemas fundamentais do Homem terá que ser necessariamente diferente, conforme Deus exista ou não exista. E os problemas fundamentais podem agrupar-se em três perguntas: Quem somos? Donde vimos? Para onde vamos?
Quem somos? Seres deficientes, seres que não são o que poderiam ser.
Seres esperançados, desejosos de mais e mais, tentando ultrapassar-se cons­tantemente a si mesmos.
O que é que explica este estranho impulso para uma constante transcen­dência (ultrapassagem)? Existe alguma resposta para esta pergunta?

Se Deus existe, haverá uma resposta à grande pergunta: porque somos seres deficientes e finitos e ao mesmo tempo ilimitadamente esperançados e desejosos?
Donde vimos? Indo de causa em causa podemos retroceder até ao infi­nito, mas não encontramos resposta, porque sempre ficará em pé a pergunta pela causa das causas. Será o nada ou o azar a causa das causas? Será a maté­ria como tal, devendo, por isso, ter atributos divinos, como são a eternidade e a omnipotência? Será que há outra explicação? Ou será que nem é permi­tido fazer tal pergunta? Se Deus existe, poder-se-á responder à grave per­gunta sobre a origem da matéria, sobre a origem do mundo e do Homem.

Para onde vamos? Podemos examinar uma série de fins. Poderemos ir de fim em fim, mas isso não basta para dar um sentido ao todo da vida humana e da história da humanidade. Com efeito, qual é o fim de todos os fins? Será o nada? Ou será uma sociedade totalmente feliz, mercê da abundância e do reino da liberdade? Mas não está este projecto cada vez mais em crise?
Se Deus existe, poder-se-á responder à grave pergunta sobre o fim do Homem e da humanidade, sobre o fim da vida humana e da história da humanidade.

4 - Há, porém, uma outra pergunta séria, na base das perguntas que fizemos: a realidade do mundo e do Homem aparece como problemática, uma vez que se manifesta sem um fundamento último, sem suporte último, sem sentido último. Isto obriga a pôr a questão central: como explicar a rea­lidade universalmente problemática? O que é que a torna possível? Donde provém esta realidade, suspensa entre o ser e o não-ser, entre o sentido e o absurdo?

Aqui se põe o problema de Deus, «não desde a periferia, mas desde o centro, não desde a debilidade, mas desde a força» (Bonhoeffer).
Se Deus existe, haverá uma solução radical para o enigma da realidade que sempre continuará problemática. Se Deus existe, a realidade fundante não estará, em última análise, infundada, porque Deus será o fundamento primordial de toda a realidade. Se Deus existe, a realidade auto-sustentante não carecerá em última instância dum suporte, porque Deus será em tal caso o suporte primordial de toda a realidade.
Se Deus existe, a realidade auto-evolutiva não carecerá, em último termo, de meta, porque Deus será então a meta primordial de toda a reali­dade.
Se Deus existe, a realidade suspensa entre o ser e o não-ser já não será em definitivo suspeita de inanidade, porque Deus será então o próprio ser de toda a realidade. Se Deus existe, poder-se-á admitir uma confiança radical na realidade, porque Deus será a origem, o sentido e o valor primordial de todo o ser.
Se Deus existe, poder-se-á admitir uma confiança radical na realidade, embora saibamos que a realidade como tal será suspensa entre o ser o não­-ser, porque Deus será em tal caso o ser mesmo de todo o ser.

5 - A mesma hipótese da existência de Deus pode ser aplicada à proble­mática da minha existência humana. Com efeito, se Deus existe:
- então eu poderei afirmar confiadamente e com fundamento a unidade e a identidade da minha existência humana, frente à ameaça do destino e da morte. E porquê? Porque Deus será efectivamente a origem primeira da minha própria vida;

- então eu poderei afirmar confiadamente e com fundamento a verdade e o sentido da minha existência, frente à ameaça do vazio (do nada) e do absurdo, porque Deus será o sentido último da minha vida;
- então eu poderei afirmar confiadamente e com fundamento a bondade e o valor da minha existência frente à ameaça da culpa e da condenação, porque Deus será a esperança libertadora da minha vida;
- então eu poderei afirmar confiadamente e com fundamento o ser da minha existência frente à ameaça do nada, porque Deus será o ser mesmo da vida do Homem.

6 - A confiança fundamental na realidade do mundo e do Homem põe­-nos então a alternativa sobre acreditar ou não acreditar na existência de Deus. Acreditar ou não acreditar. Porquê? Porque:
- O não a Deus é possível. O ateísmo não pode ser eliminado racional­mente. E porquê?
Porque a problematicidade radical de toda a realidade oferece ao ateísmo motivo suficiente para afirmar que a realidade como tal carece em absoluto de fundamento, suporte e meta primordiais. Qualquer discurso sobre a ori­gem, sentido e valor primeiro é inaceitável, porque nada se pode saber acerca disso, ou porque talvez o último seja o caos, o absurdo, a ilusão, a aparência, o não-ser, o nada. Não há portanto provas positivas da impossibili­dade do ateísmo.
Diante da afirmação «não há Deus» não há uma prova estrita ou uma demonstração absoluta da existência de Deus.

7 - Porém tão-pouco o ateísmo pode excluir positivamente a outra alter­nativa: o sim a Deus é possível. O ateísmo não pode ser fundamentado racio­nalmente. Porquê?
Porque a realidade, com toda a sua problematicidade, se oferece motivo para arriscar um sim confiado na sua identidade, sentido e valor, também oferece motivo para um sim confiado no seu fundamento, suporte e sentido último.

8 - O sim a Deus ou o não a Deus é, por conseguinte, em última instân­cia, uma questão de confiança. Poderemos então dizer assim:
- Se Deus existe, ele é a resposta à radical problematicidade da realidade.
Então:
- a existência de Deus é algo que pode ser aceite;
- não em virtude de uma prova ou demonstração da razão pura (teologia natural);
- não em virtude dum postulado moral incondicionado da razão prática (Kant);
- não exclusivamente em virtude do testemunho da Bíblia (teologia dia­léctica);
- mas em virtude da confiança baseada na própria realidade

A existência de Deus é algo que só pode ser admitido mediante a confi­ança baseada na própria realidade.
- A esta entrega confiada num fundamento, suporte, sentido último da realidade chama-se, em linguagem universal, crença em Deus, «fé em Deus».
- A esta «confiança na realidade» poderíamos chamar também confiança em Deus enquanto realidade de toda a realidade.

9 - É, portanto, imperioso que o Homem tome uma decisão livre frente à realidade como tal e frente ao primeiro fundamento, suporte e fim dessa mesma realidade. Como nem a realidade nem o seu fundamento, suporte e fim último são evidentes, resta intacta a liberdade humana. O Homem deve decidir-se sem coacção intelectual e sem prova absoluta racional.
Tanto o ateísmo como a fé em Deus são, por isso mesmo, um risco, uma aventura.
A fé em Deus tem carácter de opção e a opção por Deus tem carácter de fé.

10 - Mas, se a opção pela existência ou não existência de Deus é um risco, uma aventura, qual será o maior risco: o sim ou o não a Deus?
- O não a Deus significa uma confiança radical, ultimamente infundada, na realidade. O ateísmo não pode aduzir nenhuma condição de possibili­dade da realidade problemática. Quem nega a Deus não sabe em definitivo porque confia na realidade. Isto significa que o ateísmo vive, pelo menos, de uma confiança radical, em última análise infundada.
Por isso, não é indiferente dizer sim ou não a Deus.
a preço que o ateísmo paga pelo seu «não» é bem conhecido.
Para o ateu ficam sem resposta as eternas perguntas da vida humana, tão últimas como primeiras e imediatas; fica sem fundamento último e sentido último a realidade do mundo e do Homem.
11 - O sim a Deus implica uma confiança radical ultimamente fundada na realidade. Com o sim a Deus, decido-me confiadamente por um primeiro fundamento, pelo suporte mais profundo e pela meta última da realidade.
E posto que eu opto confiadamente por um fundamento primeiro, em lugar de optar pela sem-razão da realidade, opto por um suporte primordial em vez de optar pela inconsistência, opto pela meta última em vez de optar pelo absurdo, então eu posso descobrir fundamente uma unidade dentro da cisão, um valor dentro da futilidade e um sentido dentro de todo o sem-sen­tido da realidade do mundo e do Homem. E, apesar de toda a incerteza e insegurança, essa origem primeira, esse sentido originário e esse último valor oferecem-me uma radical certeza e uma segurança definitiva.

Deste modo, as perguntas últimas, como as perguntas primeiras do Homem, obtêm uma resposta básica com a qual o Homem pode viver e con­viver.

12 - Assim, a fé aparece como uma decisão confiada do Homem, sem deixar de ser um dom (contra o racionalismo ou o pelagianismo). A fé é um dom. A realidade é-me dada previamente. Se não me fecho a essa realidade mas me abro por completo, eu posso admitir em atitude de fé o seu primeiro fundamento, o seu suporte mais profundo e a sua meta última.

Então Deus revela-se exactamente como origem, valor e sentido último da realidade. E revela-se enquanto me abro, enquanto confio. Como a confi­ança fundamental, também a confiança em Deus exige de mim o antecipar­-me, o aventurar-me, o arriscar-me. Como a confiança fundamental, também a fé em Deus:
- É coisa não só da razão humana, mas do Homem todo, existente e concreto; com espírito e corpo, com razão e instintos, na sua situação histó­rica concreta, na sua dependência de tradições, escalas de valores, com seus interesses pessoais e suas implicações sociais.
- É, portanto, supra-racional. Como para a realidade da realidade não há prova lógica concludente, tão-pouco para a realidade de Deus. No plano da lógica, as provas da existência de Deus são tão pouco construtivas como no Amor. A relação com Deus é uma relação da confiança.
- Porém, não é irracional. Sobre a realidade de Deus há uma reflexão que parte da experiência humana e apela à livre determinação do Homem. Frente a uma crítica racional, a fé em Deus pode justificar-se. Tem como apoio a própria experiência da problematicidade da realidade com as suas interrogações últimas e primeiras.
Não é, portanto, uma decisão cega e irrealista, mas uma decisão funda­mentada, realista e racionalmente justificável, a partir da vida concreta de cada um.

Uma decisão que se executa em relação concreta com os demais. Sem a experiência de haver sido aceite pelo Homem, parece difícil a experiência de uma aceitação por parte de Deus. Uma decisão que não é tomada de uma vez para sempre, mas que deve realizar-se momento a momento e de forma sempre nova. A fé em Deus jamais está assegurada contra o ateísmo ou imu­nizada frente às crises ou aos ataques. A fé em Deus está de contínuo amea­çada, e, frente aos embates da dúvida, tem que ser continuamente realizada, mantida, vivida e conquistada. Tem que ser continuamente aceite e pedida.

2 comentários:

  1. Eu acredito na Sua Existência. Há provas cabais de que a existência de Deus é uma realidade. Provas de Vida depois da Morte de Jeffrey Long e Paul Perry. O CÉU EXISTE MESMO de TODD BURPO e LYNN Vincent, UMA PROVA DO CÉU de Dr. Eben Alexander, Instantes da Eternidade de Raymond Moody e Paul Perry, entre muitos outros autores. O Senhor Dom Manuel Vieira Pinto é o testemunho ainda vivo, dessa realidade. DEUS EXISTE, para nem da Humanidade.JIV

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  2. DEUS EXISTE PARA BEM DA HUMANIDADE. Fica assim corrigido o "nem"

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